Devilman é tudo isso mesmo?

Devilman é tudo isso mesmo?

28/01/2018 0 Por Crive

(Esse post contém spoilers do manga de Devilman, e provavelmente de Devilman: Crybaby também, sua leitura é de conta e risco)


Sim, é tudo isso mesmo.

Poderia parar por aqui e pedir apenas para que todos leiam, mas existem certas obras que vale a pena dissertar bastante para mostrar sua importância e qualidade, Devilman é uma delas. Então vou listar alguns motivos que fazem o manga (não o anime da Netflix) de Go Nagai de 1972 uma verdadeira obra de arte.

A coragem do autor

Provavelmente, você já se deparou ao consumir uma mídia, seja ela cinema, livro ou quadrinhos que certos autores não tem coragem de tomar certas decisões na história que poderiam causar um mal estar ao leitor/telespectador mais sensível e apegado aos personagens. Muitas vezes essa covardia do autor acaba andando no sentido contrário da história que estava sendo contada. Devilman é o contrário disso, Go Nagai não tem o menor pudor em tomar as decisões que ele achar melhor para compor enredo, sejam elas, matar personagens ou até causar danos no leitor que se tornam irreversíveis(falo por mim mesmo).

Um exemplo, é a morte de Makimura Miki nos volumes finais do manga. Se temos 4 volumes para apresentar um personagem absolutamente doce, altruísta e com uma forte ligação emocional com o protagonista, Go Nagai não tem o menor pudor em colocar sua cabeça em uma estaca, talvez uma das mortes mais cruéis que já li em uma manga. Entretanto, este acontecimento tem grande valor narrativo, uma vez que a insanidade da humanidade e sua perversidade são temas claros do mangá. Além disso, o volume final passa um sentimento de irreversibilidade, como se “não houvesse jeito à humanidade”, coisa que é muito bem retratada nesta cena.

Discussão profunda de um tema

Apesar da minha capacidade cognitiva não ser das melhores, o tema que central que captei assistindo Devilman foi a podridão humana. A partir desta concepção, Nagai irá trabalhar isso de diversas formas, a principal delas e mais natural é assemelhar os humanos e os demônios. Toda a sede de violentar/destruir e aderir aos prazeres mais selvagens dos demônios também são características retratadas nos humanos, e aliás, para muitos humanos essas características são glorificadas.

Enquanto Akira ainda não havia se fundido a um demônio, ele era visto apenas como um garoto sem graça que ninguém dava valor, apesar de ser honesto, gentil e amoroso. A partir do momento que se fundi a um demônio, o seu comportamento mais violento e sexual é visto com bons olhos aos personagens que o rodeavam(isto também é bem exposto no manga na Netflix). Vou além, o personagem Akira pós-fusão é mais atrativo também ao leitor, que também glorifica esses comportamentos.

Não somente isso, como Nagai também coloca sentimentos humanos em demônios, retratado muito bem na passagem de Silene. Afinal, o que seriam demônios se não animais como nós? Na parte final do manga, o autor vai mais longe na podridão, repetindo diversas perversidades humanas que já aconteceram na história como inquisição, holocausto e preconceitos em geral. Além disso, é demonstrada uma faceta altruísta nos demônios, retratada pela união e sacrifício destes seres. Por fim, sobre a humanidade só resta o niilismo de Akira de desistir, aquele que mais acreditou na humanidade.

A quebra da quarta parede

Se você leu Devilman até o fim, provavelmente você se lembra de apenas um momento onde existe a quebra da quarta parede. Quando o manga passa do conflito interno de Akira para o verdadeiro “Inferno na Terra”, podemos ver a página incrível de Akira convidando o leitor para entrar nesse inferno junto a ele, e presenciar e podridão da humanidade. Sinceramente, essa é uma das páginas mais incríveis que eu já li em mangas, entretanto, não é só nesse momento em que existe a quebra da quarta parede.

Na verdade, essa quebra ocorre o tempo todo só não é percebida. Como eu mencionei acima, Devilman é um manga que busca passar uma mensagem, e em diversas paginas Akira fala diretamente com o leitor. Repare bem que em várias páginas a quadrinização é feita de uma forma de que Akira olhe diretamente para o leitor e não para o personagem em cena, como se estivesse dizendo diretamente para você.

Continua sendo um bom Shonen

Antes de lançar Devilman, Nagai havia publicado um manga chamado Demon Lord Dante, o qual era violento em demasia para ser aptado para animação. A partir disso, foi lançado o primeiro anime de Devilman na TV, que tinha tom bem mais leve e claramente um público infantil. Em paralelo com o anime, Nagai lançou o manga na Weekly Shōnen Magazine que até um tempo atrás publicava Fairy Tail, portanto uma revista Shonen. Pela demografia da revista, Devilman deveria se enquadrar nos moldes de manga para garotos e apesar de tudo o que eu citei, ele ainda se enquadra. Antes da mudança do volume 4, Devilman poderia muito bem ser encarado como um manga de lutas/poderes e que funcionaria muito bem sendo apenas isso.

Temos um clássico protagonista looser de Shonen que faz um fusão/transformação e se torna extremamente poderoso (qualquer semelhança com mangas recentes é mera coincidência). Isto posto, ele trava várias lutas muito bem desenhadas contra vilões com poderes irados. Tais lutas são viscerais, mas o protagonista sempre vence salvando a humanidade de um eminente vilão final. O que eu quero dizer com isso? Devilman é um excelente Shonen também, que inspirou diversas obras que podem muitos bem se enquadrar nessas características listadas acima.

Existem outras diversas coisas que poderia elogiar em Devilman, como a inteligência dos diálogos, a quadrinização extremamente ágil, o uso de carvão na composição de algumas páginas, etc. Entretanto, poderia estragar a experiência de um releitura, aliás, toda vez que você lê você pega alguma coisa diferente. Em suma, Devilman é um manga incrível, e essa qualidade fez existirem uma série de adaptações, incluindo a mais recente da Netflix que me fez reler o manga. Apesar de ter avisado sobre o spoiler, se tem alguém lendo o texto sem ter lido o manga, eu peço apenas que leia, você está perdendo uma obra prima.